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Varíola dos macacos e a Comunicação sem macaquices

Os desafios da saúde pública também são os desafios da comunicação. Seja nas redações dos veículos de imprensa, seja nas agências de comunicação que atendem profissionais e instituições de saúde, enquanto profissionais da comunicação precisamos acompanhar as informações divulgadas pelas instituições de saúde, identificar aspectos que podem se tornar problemas de comunicação quando essas informações chegam à sociedade e desenvolver ações para informar com seriedade, responsabilidade e criatividade.

O exemplo recente é da varíola dos macacos, uma infecção causada pelo vírus Monkeypox. O nome do vírus se deu devido ele ter sido identificado em macacos em um laboratório europeu, em 1958. Mas embora os macacos tenham levado a fama, há outros animais suscetíveis a esse tipo de vírus, como roedores.

Aí começam os desafios da comunicação e não afetam apenas humanos, pois a depender da maneira como informamos sobre a infecção, as pessoas podem achar que, então, devem eliminar os macacos para evitar a infecção. Como estaria acontecendo no interior de São Paulo, onde pelo menos dez macacos foram resgatados com sinais de intoxicação com suspeitas de que isso tenha acontecido por medo das pessoas da varíola dos macacos, e outros casos de ataques aos animais foram relatados no Brasil.

Fato é que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a transmissão do vírus Monkeypox vem acontecendo especialmente entre humanos. Basta acompanhar os noticiários dos principais veículos de imprensa para ver infectologistas e gestores públicos vinculados a instituições de saúde esclarecerem sobre a circulação do vírus hoje se dar pelo contato com pessoas infectadas que pode ocorrer: por meio de machucados, por materiais contaminados como roupas de cama e por fluídos corporais como as gotículas de saliva propagados, por exemplo, quando a pessoa infectada tosse, espirra, beija e – aqui aparece outro desafio da comunicação – durante o contato sexual.

Desse modo, ainda que a varíola dos macacos não seja uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST), porque ela não é transmitida por vias sexuais, ela pode se propagar quando uma pessoa infectada pratica sexo com outra não infectada. No entanto, por algum motivo que os pesquisadores ainda estão estudando, o vírus Monkeypox acessou a rede de homens que praticam sexo com homens, como homossexuais e bissexuais, e vem se difundindo com uma predominância nesse grupo em relação a outros grupos como os heterossexuais.

A OMS e outras instituições de saúde têm tomado cuidado em como divulgar esses dados, de modo que não se crie um pânico social como foi quando o HIV/Aids se tornou uma emergência sanitária, nos anos 1980. Àquela época, a doença chegou a ser nomeada por instituições de saúde, veículos de imprensa e por setores conservadores da sociedade como “câncer gay”. A própria OMS reconhece que ainda hoje um dos principais problemas para o enfrentamento do HIV/AIDS no mundo é o estigma.

Aqui é bom reiterar uma informação importante: pessoas no geral fazem sexo. Portanto, devemos considerar que, primeiro, todas as pessoas devem se prevenir, evitando o contato com pessoas que estão infectadas, reduzindo o número de parceiros sexuais particularmente quando não se sabe a origem desses parceiros para evitar a exposição ao vírus Monkeypox e ter uma atenção na exposição em ambientes com maior trânsito de pessoas, como transportes públicos. Neste caso, recomenda-se utilizar roupas que cubram braços e pernas, fortalecer o uso de máscara e não levar as mãos sujas ao rosto. Segundo, há que se analisar com seriedade como divulgar os dados da varíola dos macacos. Afinal, se um erro médico pode vitimar uma pessoa, um erro de comunicação tem chances de propagar estigmas que impactam negativamente sobre a saúde de alguém.

Mais um desafio da comunicação é os veículos de imprensa e agências de comunicação que representam profissionais e instituições de saúde utilizarem sua credibilidade e criatividade para chegarem à frente da veiculação de informações falsas – as fake news – que circulam nas redes sociais, como o WhatsApp, o Telegram, o Instagram, o Facebook e o YouTube, bem como nas conversas informais no dia a dia. Muitas vezes essas fake news são criadas por pessoas mal-intencionadas que conhecem e usam da legitimidade que têm fontes como especialistas e instituições de saúde, produzindo conteúdos com fontes irreais que se colocam como especialistas. Neste caso, além de estudar as maneiras de divulgar as informações verdadeiras, precisamos estudar onde divulgar essas informações e como chegar a mais pessoas.

Com respeito aos sintomas da varíola dos macacos, além da menção aos macacos a infecção remete à varíola, uma doença erradicada no início dos anos 1980 no mundo. Isso porque os sintomas são semelhantes à varíola. De modo geral, podem aparecer pústulas (bolhas) na pele das pessoas infectadas com o vírus Monkeypox, dores no corpo, febre alta, inchaço nos vasos linfáticos (por exemplo, no pescoço e na virilha) e fraqueza profunda. No entanto, os sintomas da varíola dos macacos são clinicamente menos graves, ainda que crianças, gestantes e pessoas imunossuprimidas devido a alguma condição de saúde possam apresentar agravantes ao se infectarem.

Ademais, diferente da varíola, a varíola dos macacos ainda não tem uma vacina que esteja incorporada à rede pública de saúde para distribuição em larga escala no Brasil. As pessoas que se infectam devem ficar isoladas e podem deixar de manifestar os sintomas em algumas semanas (diz-se que a doença é autolimitada). Mas se o Sistema Único de Saúde (SUS) futuramente incorporar à rede uma vacina para a varíola dos macacos, teremos que repensar as antigas campanhas de comunicação para prevenção e vacinação da varíola, que não são mais realizadas desde os anos 1980, considerando agora as novidades referentes à varíola dos macacos, entre elas, a necessidade de não difundir o estigma.

Esse também será um desafio da comunicação, que, de imediato, deve fortalecer a necessidade de que as pessoas não tenham medo caso manifestem algum sintoma, estimulando para que procurem uma unidade de saúde para realizar os exames laboratoriais necessários que possam confirmar ou não o diagnóstico. A notificação correta dos casos de varíola dos macacos auxilia na tomada de decisão pelos gestores públicos na área de saúde, por exemplo, no desenvolvimento de ações e de políticas públicas. Todos esses desafios evidenciam como uma comunicação séria e responsável envolve diferentes atores (pacientes, governos, unidades de saúde, veículos de imprensa etc.) e precisa ser cuidadosamente planejada.

 *Vinícius Lima é jornalista com mestrado em Informação e Comunicação em Saúde, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Tem experiência de 13 anos na área de Comunicação e Saúde e é colaborador da RS há três anos.