Por Danilo Gonçalves*
Como tradicionalmente faz, a RS seleciona um de seus colaboradores para escrever a redação do ENEM, em um exercício para que o tema proposto também seja debatido pelo nosso time. Este ano, o gerente de operações e estratégia, Danilo Gonçalves, voluntariou-se para tal. Leia a seguir
Temos observado o avanço de pautas identitárias nas últimas décadas, apesar do avanço do conservadorismo. A resistência das mais diversas militâncias têm buscado, sem medir esforços, suas cadeiras nos debates sobre a sociedade. É um momento oportuno para seguir avante, ainda que a direita ainda pregue as morais e costumes mais conservadores.
Questões de gênero, sexualidade e de acesso digno figuram neste cenário. Apesar da real relevância e legitimidade destes temas, o Brasil ainda carece reconhecer, majoritariamente, suas matrizes africanas, e o racismo ainda é uma triste realidade no nosso país e no mundo.
Uma pesquisa divulgada em 2023 pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) revelou que nove entre dez pessoas ouvidas responderam que pessoas pretas são as que mais sofrem racismo no Brasil; indígenas e imigrantes africanos aparecem em segundo e terceiro lugar, respectivamente, quanto à percepção da população de indivíduos que mais sofrem discriminação.
Em seu famoso discurso em Washington DC, Martin Luther King expressou ter o sonho de que os quatro filhos, à época crianças, vivessem em uma nação onde não seriam julgados pela cor da pele, mas sim pelo caráter. De volta ao Brasil, o Ministério da Igualdade Racial, hoje com a Ministra Anielle Franco à frente, foi criado apenas em 2023, apesar de medidas afirmativas, como a política de cotas existirem há mais tempo.
A frente de política externa brasileira, por sua vez, tem se esforçado com o reconhecimento às contribuições da diáspora, em sinergia entre o Ministério de Anielle e da ministra da Cultura, Margareth Menezes. Recentemente, encabeçado pelos dois ministérios, aconteceu o Fórum da Diáspora Africana nas Américas, em Salvador.
Apesar de todo um esforço de reparação histórica, os números de mortes e perseguições continuam revelando uma expressa perseguição às pessoas não brancas no Brasil. Onde continuamos errando? Eu mesmo respondo: continuamos negando que a ancestralidade de nosso país é a nossa cara; insistimos na ideia de não repreender atos explícitos de racismo e, mais, em não enxergar o racismo que somente quem sente sabe que ele está ali.
A luta antirracista é missão das pessoas brancas, e não mais uma obrigação de quem é vítima. Somos de fato aliados ou tiramos o corpo fora quando “a situação não nos diz respeito”? Quem disse que não nos diz respeito, se seguimos com a risada de canto de boca quando lidamos “com medo” de tradições da umbanda e do candomblé, legitimamente crenças de um povo?
E o que dizer da audiência a tantos ídolos da música, do esporte, do teatro, da TV que, ao mesmo tempo que experimentam aplausos, mantém em si o medo de comentários racistas nas redes sociais. Nosso Judiciário está atento a isso? Todo o aparelho estatal está, de fato, tomando as medidas cabíveis? E, nós, enquanto sociedade, olhamos uns para os outros com igualdade – e mais, reconhecendo o conceito de equidade?
Creio que a resposta ainda seja não.
Como pessoa branca, encerro esse texto no desejo de que tenhamos inteligência social e coragem para expor o racismo como uma atrocidade e, mais, que tenhamos a decência de reconhecer que nossas origens não são (somente) da Europa colonizadora. Nosso povo veio da África!
Danilo Gonçalves é jornalista, pós-graduado em Políticas Públicas pela FGV e, na RS, atua como Gerente de Operações e Estratégia